Garoto do Passado, Garota do Futuro - Final

Este conto faz parte da terceira edição do projeto “Em um mês, um conto”.

Parte Final

Respirei fundo e limpei as lágrimas com o dorso da mão. Já estava farta de linhas temporais, paradoxos complexos, passado e futuro. Alguém precisava dar um basta nessa bagunça! Já havia ficado claro, que raios e “Deusas do Tempo”, são péssimos roteiristas. Primeiro me conectaram a um cara do passado, que valia muito a pena, logo depois permitiram que o aplicativo-portal, nossa única comunicação nesse paradoxo maluco, saísse do ar. Me recusava a ficar chorando o resto da vida. Afinal, não é todo dia que a gente se apaixona por alguém vindo diretamente do passado. Sendo assim, serei a protagonista da minha própria história. E tenho dito!

Eu precisava agir, porém a chuva que havia sido a trilha sonora do terrível fim entre Gus e eu, havia se transformado em um temporal, não iria me arriscar a dirigir em plena madrugada, e tão pouco conseguiria dormir, então teria bastante tempo para pensar e planejar.

Liberei a tela do notebook e entrei em sua rede social. Procurei as publicações de maio de 2021 e quase caí da cadeira. “Deusas do Tempo”, cheguem aqui e me belisquem! Tento controlar a emoção, abanando as mãos na direção dos olhos para as lágrimas sumirem. Gustavo havia deixado pistas e mensagens para mim! Minutos depois do aplicativo sumir ele escreveu:

“Ei, “Garota do Futuro”, estou aqui! Não é que o aplicativo realmente saiu do ar bem quando me deu um fora! Isso quer dizer muita coisa, sabia? Aquela força maior que nos uniu, ficou muito brava com seu comportamento e eu também! Entendo o que você fez e pensando racionalmente eu teria feito o mesmo, mas preciso que saiba, minha “Garota Rebelde do Futuro” que mesmo vivendo minha vida, ainda estarei pensando em você. Quero que dê uma olhada nas minhas fotos, ok? E se ainda quiser, se ainda estiver se apaixonando por mim, me encontre!”

Gus estava sendo o típico mocinho que não decepciona numa história. Ele curtiu a vida, viajou, trabalhou e se mudou para São Paulo. Se mudou por mim!

Todas as suas fotos tinham a mesma frase: “Continuo pensando em você e me apaixonando”. Ele havia me esperado. Ainda me queria!

Reconheci muitos lugares por onde ele passou e olhando as datas, percebi que Gus, esteve comigo sem que eu soubesse. Ele me observou e foi, sem querer, a energia e a força que me fez seguir nos momentos difíceis, ele foi meu tudo e fui tudo para ele.

Mal amanheceu e eu já estava pronta para correr para a capital. Fiz as malas e juntei tudo, não sabia se voltaria para cá, só queria estar onde ele estivesse.

No caminho até a clínica veterinária em que trabalhava, dei uma paradinha na casa da minha mãe e sequestrei sua cachorrinha, só para não chegar lá de mãos vazias e ser impedida de falar com ele. O lugar estava cheio quando cheguei, mas consegui passar na frente devido ao escândalo que Docinho estava fazendo em meus braços. Que cachorra maluca!

— Bom dia! Ela foi atropelada? — A recepcionista, uma senhorinha fofa, indagou toda atenciosa.

— Bom dia! Não, ela é assim mesmo, eu acho. O Dr. Gustavo já chegou?

— O Dr. Gustavo não trabalha mais aqui, meu bem, mas o Dr. Aldo é tão bom quanto ele, vai cuidar muito bem dela.

— Como assim o Dr. Gustavo não trabalha mais aqui? — Estava pronta para fazer um escândalo ao nível da Docinho.

— Bom, ele nos deixou há algumas semanas. Sinto muito!

Apertei Docinho contra o peito na tentativa de controlar meu coração que batia descontroladamente. Abalada, despenquei na primeira cadeira que encontrei.

— Ele. Nos. Deixou? — Gaguejei. — Como assim? Ele morreu?

— Não! — A senhorinha arregalou os olhos e deu aquele sorrisinho amarelo. — Não, querida, ele apenas deixou a clínica. Dr. Gustavo se mudou para o interior.

Só havia um lugar no interior onde ele poderia estar. E eu deveria estar lá também, enchendo a boca dele de beijos, mas não, estou aqui com uma cachorrinha mais maluca que eu, passando vergonha. Que desperdício de tempo!

Agradeci a informação e saí em disparada de volta ao interior. Inacreditavelmente, Docinho estava bem quietinha. Quer dizer, o mundo canino estava colaborando com minha missão e as “Deusas do Tempo” querendo transformar minha vida num dramalhão mexicano. Vamos ver quem é mais resiliente, queridas!

Não haveria tempo para devolver Docinho para minha mãe, então enviei um áudio explicando que ela estava comigo numa missão importante e que a devolveria outro dia. Claro, que mamãe surtou e me encheu de perguntas e áudios malcriados, mas ignorei todos.

Dirigi como uma louca, costurando o trânsito, buzinando para tirar os retardatários da minha frente. Tudo que eu queria era encontrar Gustavo o mais rápido possível. Estava morrendo de saudades dele.

Rodei a cidade em busca da clínica veterinária e não encontrei. Perguntei na banquinha de jornal e fui informada que a clínica ficava na mesma rua do Hospital e da Igreja, algumas quadras acima de onde eu estava.

O lugar era bonito e moderno, havia sido reformado recentemente. Havia uma plaquinha com o nome dele: “Dr. Gustavo Arantes – Veterinário”, na sala de espera havia algumas fotos enormes de Gus com alguns animais. O rapaz da recepção chamou minha atenção. Docinho havia entrado comigo, claro, e parecia uma lady de tão comportada, a cúmplice perfeita.

— Olá, eu gostaria de falar com o Dr. Gustavo, por favor.

— Ele a está aguardando? Não tem nada agendado para esse horário.

— Ah, sim, ele está me aguardando há um bom tempo.

As lágrimas já queriam voltar, finalmente íamos nos ver. A espera e a procura haviam chegado ao fim.

O recepcionista me levou para os fundos da clínica onde Gustavo cuidava de alguns animais. Acho que sentiu minha presença, pois parou o que estava fazendo e olhou em minha direção. Assim que nos encontramos no olhar, foi como se milhões de raios explodissem ao nosso redor e colocassem o mundo nos eixos. Sorrimos emocionados. Ele deu algumas instruções a seu colega de trabalho, lavou as mãos e caminhou até onde eu estava. O observei, gravando na memória cada pedacinho seu. Ele era ainda mais atraente pessoalmente e ficava muito sexy de jaleco.

Docinho resmungou puxando a coleira e me fazendo andar de encontro a ele.

Começamos a andar mais rápido e quando estávamos próximos me joguei em seus braços. Ficamos abraçados uma eternidade e com certeza não foi tempo suficiente, eu ficaria a vida toda dentro desse abraço.

Senti o calor do seu corpo. Senti seu coração batendo tão acelerado quanto o meu. Senti seu cheiro cítrico e me permiti embriagar. Me senti em casa.

Lentamente nos afastamos, ele encostou a testa na minha e sorriu entortando um dos cantos da boca, bem do jeitinho que eu amava. Suas mãos seguravam meu rosto e as minhas estavam por dentro da camiseta sentindo os músculos de suas costas.

— Ainda está se apaixonando por mim? — Perguntou, seu hálito fazendo cócegas na minha pele.

— Já estou apaixonada por você, Gus.

Impaciente, toquei seus lábios com os meus e finalmente ele me beijou, sua língua se entrelaçou a minha e foi como sentir a explosão de milhares de estrelas, foi como viajar ao espaço na velocidade da luz. Nosso beijo foi calmo, foi avassalador, foi tímido e foi ardente. Quando paramos para recuperar o fôlego, seus olhos azuis brilhavam intensamente.

— Eu também já estou apaixonado por você, Isa. Me deixa ser o seu “Garoto do Futuro”?

Às vezes, quando queremos muito uma coisa, precisamos esperar o tempo que for preciso e às vezes só precisamos encontrar o momento certo.

“Deusas do Tempo” viram como é que se escreve uma história de amor?

Fim!

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