Garoto do Passado, Garota do Futuro

Este conto faz parte da terceira edição do projeto “Em um mês, um conto”.

Parte 1

Da estrada ao longe era possível avistar a casa, com o pôr-do-sol ao fundo dava a impressão de se estar olhando um quadro em exposição. Era lindo de se ver!

Herdei a casa de minha avó, ela ficava afastada da cidade e eu não vinha aqui desde sua morte, mas era tudo de que eu precisava no momento, um lugar isolado e cheio de paz. A casa passou por uma grande reforma, ideia da minha mãe, que deixou o lugar moderno e funcional.

Sou escritora e tenho apenas seis meses para finalizar e enviar o livro para a editora revisar, antes do lançamento. Um prazo super apertado. Passei por alguns bloqueios e estou sem conseguir escrever um parágrafo inteiro há meses.

Abri a porta, desliguei o alarme e coloquei as malas para dentro. Fiz aquele tour pela casa, admirando o excelente trabalho de mamãe com a reforma. Após me instalar fui até a cozinha, fucei os armários e a geladeira, tudo completamente vazio e eu morta de fome. Não teria jeito, meu jantar seria pizza. Amanhã faria umas compras.

Procurei no aplicativo por uma pizzaria local e fiz o pedido. Depois da entrega, me aconcheguei no sofá e liguei a TV, deixando num canal qualquer.

A chuva começou fraca, mas logo passou para um temporal, com trovões barulhentos e relâmpagos potentes, a casa chegava a tremer. Peguei o celular e notei que estava sem bateria, conecte-o à tomada e resolvi dar uma espiada em minhas redes sociais bem quando um relâmpago medonho me fez pular do sofá, deve ter caído aqui perto, soltei o celular e gritei, havia levado um choque, caramba que susto!

Imediatamente o celular emitiu um som diferente, pronto, era só o que faltava, a droga do raio ter danificado o aparelho, será que teria uma assistência técnica na região?

Ainda com medo de levar outro choque peguei o celular com o maior cuidado, o som emitido era de uma notificação, eu havia recebido uma mensagem. Como assim? Eu havia recebido uma mensagem de um aplicativo que não existia há dois anos!

Com os dedos trêmulos desbloqueei o aparelho, toquei o ícone do aplicativo. Que loucura era essa? A tela se abriu, mostrando o áudio de alguém que não era meu contato. A curiosidade falou mais alto e resolvi ouvir.

— Oi, seu número apareceu para mim, não sei se apaguei sem querer a mensagem, você precisa de algo? Estou à disposição.

Ah, meu Deus! Como isso era possível? Olhei atentamente a tela a minha frente, a hora estava correta, mas a data era de dois anos atrás, intrigada enviei uma mensagem.

— Olá, estranho, não faço ideia de como meu número apareceu para você e nem sei como podemos estar usando um aplicativo que não existe mais. Por favor, se for um hacker não roube meus dados!

Toquei em enviar, me arrependendo na hora, o cara deveria ser um hacker e eu estava ferrada, ele ia zerar minha conta, pedir dinheiro aos meus contatos e acabar com minha vida. Que brincadeira de mal gosto! Como pude cair nesse golpe? Amadora!

Bom, uma coisa eu não poderia negar, o ladrão de dados tinha uma voz bonita e sexy pra caramba! Louca! O cara ia me roubar tudo e eu prestando atenção na voz dele! Pelo amor de Deus!

Opa! Ele havia respondido.

— Não sei do que está falando. Como assim, estamos usando um aplicativo que não existe mais? Eu não sei viver sem essa porcaria, meus clientes estão todos aqui. Quem é você? Sou Gustavo e garanto que não sou um hacker.

Com uma agilidade que não sei de onde surgiu digitei uma resposta.

— Não sei se agradeço ou se me descabelo por você não ser um ladrão de dados, por que isso quer dizer o que? Que estamos loucos? Que você realmente está dois anos no passado? Reparou na data das mensagens? Olhe, por favor! E muito prazer, Gustavo! Sou Isadora, não estou brincando, juro, esse aplicativo não existe há dois anos.

Cliquei em enviar e quase roí as unhas de ansiedade. Será que alguém estava querendo me pregar uma peça, me sequestrar ou algo do tipo e batizaram a pizza? Corri, verifiquei todas as portas e janelas e o alarme, tudo certo. Puxei a cortina com cuidado e não vi nada suspeito do lado de fora. O som de mensagem recebida me fez voltar para o sofá.

— Você está querendo dizer que está falando comigo de 2023? Que loucura!

Ah, caramba, definitivamente sua voz era muito sexy!

Ei, para com isso, mulher! Foco! Certo, eu precisava analisar o que estava acontecendo. Estávamos nos falando de anos diferentes. Imediatamente me veio a mente diversos filmes sobre viagens no tempo, paradoxos e linhas temporais. Uma viagem no tempo? Não, um salto temporal? Fala sério, isso é muito surreal!

Meus pensamentos foram interrompidos por uma nova mensagem.

— Por favor, diga alguma coisa, não fuja.

Reuni toda minha coragem e fiz uma chamada de vídeo. Apesar das circunstâncias, de sermos completos estranhos, precisávamos entender o que estava acontecendo. Gustavo aceitou a chamada sem hesitar.

— Oi. Por que está cobrindo o rosto com as mãos?

— Você está vestido, né? — Abri um pouco os dedos dando uma espiada. — Só quero resolver essa coisa que aconteceu, não estou sugerindo nada além disso. — Ele riu se divertindo e eu apertei os lábios para não cair na risada também.

— Pode olhar, Isadora. Estou vestido, não vou tentar nada. Também quero entender o que está acontecendo.

Devagar tirei as mãos do rosto e fiquei encantada com Gustavo, ele era super gato, olhos azuis, cabelos castanhos e sorria entortando apenas um dos cantos da boca. E que boca! Deusas que controlam o tempo, me ajudem!

— Desculpa, não é nada contra você.

— Tudo bem, eu entendo. Então, como o aplicativo apareceu para você?

— Estou em São Paulo, aqui está chovendo bastante. Caiu um raio aqui perto e bem na hora resolvi usar o celular que estava carregando e tomei um choque, depois disso recebi a notificação da sua mensagem.

— Estou no Rio de Janeiro e aconteceu tudo exatamente igual. Mas quando entrei para ver sua mensagem ela havia sido deletada. Por isso resolvi te chamar. Sou veterinário e achei que poderia ser um cliente.

— Surreal, né?

Ficamos nos observando por alguns segundos com o medo e a incerteza estampados nos olhos.

— Está mesmo acontecendo? Estamos em anos diferentes? — Ele perguntou incrédulo.

Concordei, assentindo devagar com a cabeça.

— Sim, eu em 2023 e você em 2021. — Respirei fundo. — Você curte filmes de ficção científica? — Perguntei torcendo para que ele não me achasse maluca.

— Sim, também pensei nisso. Mas é mesmo possível? São só filmes. Deve haver outra explicação. Estamos no mesmo dia e na mesma hora, certo? E se desinstalarmos e instalarmos novamente o aplicativo?

— Não tenho como instalar novamente. Esse aplicativo não existe mais em 2023, lembra? Não vamos fazer nada precipitado, se tudo que assistimos for verdade, podemos piorar as coisas.

Eu não seria louca de arriscar e não conseguir me comunicar com esse gato do passado! Não mesmo!

— Você está querendo dizer que estamos em linhas temporais diferentes? Eu no passado e você no futuro? E que piorar as coisas, seria criar outras linhas, outras possibilidades?

— Isso aí, o raio bugou alguma coisa no universo! E no instante em que entramos no aplicativo alteramos algumas coisas também.

Gustavo passou a mão no rosto e apertou a nuca.

— Certo. Qual o próximo passo, Garota do Futuro? — Gustavo sorriu daquele jeitinho que estava começando a me enlouquecer.

— Bom, agora que sei que você não é nenhum maníaco sexual, poderíamos nos conhecer melhor. — Sorri. — E enquanto isso podemos fazer algumas pesquisas, assistir mais alguns filmes, enfim ir em busca de respostas. Topa, Garoto do Passado?

Continua...

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